28 setembro 2015

HISTÓRIAS DE NINAR

História de ninar é essencial para a alfabetização, segundo o autor infantil Cottrell Boyce

Com o lançamento de mais um movimento de alfabetização, autores como David Walliams e Michael Rosen alertam para a ameaça à contação de história pelas telas e vidas aceleradas.




Texto original publicado, em inglês, no site theguardian



 Fonte: Pixabay
 

A tradição infantil de histórias de ninar está correndo um sério risco segundo especialistas, os quais alertam que os pais não estão separando tempo para ler para seus filhos no final do dia e que eles interrompem esse hábito quando os filhos são ainda muito jovens.

“Os pais levam vidas muito, muito corridas," disse Diana Gerald, diretora executiva do Book Trust, que motiva crianças e famílias a gostar dos livros e a desenvolver habilidades de leitura. “Vivemos num mundo onde os pais estão fazendo malabarismos com o trabalho e a vida doméstica. Muitos pais trabalham fora e há muita pressão nas famílias. As pessoas estão estendendo suas horas.”

Uma pesquisa recente, da YouGov para a editora infantil Scholastic, revelou que muitos pais param de ler para seus filhos quando eles se tornam leitores independentes, mesmo que a criança não esteja pronta para perder a sua história de ninar. O estudo descobriu que 83% das crianças gostava de ouvir histórias, sendo que 68% disse ser um momento especial com seus pais. (“Era tão agradável, tão animador," como disse um menino de 11 anos.)

Um em cinco dos pais entrevistados pararam de ler para seus filhos antes deles fazerem nove anos e quase um terço das crianças de seis a 11 anos, cujos pais pararam de ler para elas, queriam que eles tivessem continuado.

Frank Cottrell Boyce, que ganhou a medalha Carnegie 2004 pelo seu livro infantil Millions (Caiu do Céu), ficou desanimado com as descobertas. “A alegria de uma história de ninar é essencial para desenvolver o amor à leitura nas crianças”, ele disse – mais do que as aulas de alfabetização na escola, que podem ser "experiências muito negativas” para muitas das crianças que ele conhece em suas visitas e cujas primeiras vivências com livros são em sala de aula.

“As crianças aprendem a ler antes que qualquer pessoa tenha compartilhado com eles o prazer da leitura – então onde está a motivação para aprender?" disse Cottrell Boyce. “Mesmo aquelas que atingem níveis altos de ‘alfabetização’ (seja isso o que for) correm o risco de alcançar isso sem terem vivenciado o propósito da leitura."

Uma pesquisa da Settle Stories, um grupo de caridade de arte e patrimônio, com mais de 2.000 pais de crianças de quatro a 10 anos, alegou que apenas 4% lia histórias de ninar para seus filhos todas as noites, sendo que 69% disse que não tinham tempo. Em fevereiro, um estudo da TomTom, com 1.000 pais de crianças de um a 10 anos, descobriu que 34% nunca leu uma história de ninar para seus filhos, sendo que 29% argumentava o fato de trabalhar até tarde e 26% o tempo de deslocamento diário.

“Os pais com certeza entenderam a mensagem de que precisam ler para seus filhos até os cinco ou seis anos,” disse Catherine Bell, diretora administrativa da Scholastic. “O que é realmente interessante [é que] conforme as crianças adquirem habilidades para ler sozinhas, os pais recuam. Fica muito claro: quando os pais paravam, as crianças queriam que eles continuassem. Elas achavam que eram um momento muito especial com seus pais e achavam isso muito positivo.”

Recentemente, a secretária de educação, Nicky Morgan, e o autor e comediante infantil David Walliams lançaram o próximo passo de um movimento conjunto de alfabetização e anunciaram o objetivo de fazer dos alunos ingleses os mais letrados da Europa, dentro de cinco anos. Atualmente, crianças inglesas de nove e 10 anos estão em sexto lugar, na Europa.

O governo reconhece que o papel dos pais é fundamental e criou novas atividades e recursos para ajudar a fazer com que mais crianças leiam antes de entrar na escola. “Poucas coisas podem competir com a alegria de ficar envolvido num bom livro e acredito que isso é algo que nenhuma criança deveria perder,” disse Walliams.

O autor infantil Michael Rosen desfrutou, por décadas, de seus pais lendo para ele. “Minha mãe leu para mim desde sempre. Tenho muitos dos livros que ela lia e eu implorava para ela ler alguns deles várias vezes.”

Depois foi a vez do pai dele. “Quando eu tinha cerca de 12 anos, nosso pai decidiu que leria para nós em nossos acampamentos e, em muitas dessas ocasiões, ele leu por inteiro os livros Great Expectations (Grandes Esperanças), Little Dorrit (A Pequena Dorrit) e um romance de Walter Scott, chamado Guy Mannering (O Astrólogo).”

E não parou por aí. “Ele fazia parte do exército, então era muito bom com sotaques americanos e leu Catcher in the Rye (O Apanhador no Campo de Centeio) e Catch-22 (Ardil-22) quando eu era adolescente. Quando eu tinha cerca de 40 anos, ele ainda lia para mim, mas dessa vez era sua própria biografia, Are You Still Circumcised?"

Rosen acredita que a TV no quarto é a assassina das histórias de ninar. “Ás vezes pergunto aos públicos infantis, ‘Quantos de vocês assistem TV até a hora de dormir?’ e, na maioria dos casos, muito mais que 50% deles respondem afirmativamente.”

John Boyne, autor do best-seller The Boy in the Striped Pyjamas (O Menino do Pijama Listrado) e de seu novo romance TheBoy at the Top of the Mountain (ainda não publicado), disse: “Estou cada vez menos preocupado com a forma que as crianças leem e mais fanático por fazer com que elas simplesmente leiam. Se elas leem com seus pais ou longe deles, em telas eletrônicas ou no papel, não me parece importante atualmente."

Cottrell Boyce, entretanto, defende a preservação da história de ninar. “Grandes ideias surgem de pessoas capazes de suportar problemas com todo o seu ser – emocional e racional, de memória e de lógica. Histórias de ninar conferem uma profundidade emocional à leitura. Por que você pararia? Isso é algo que as pessoas fazem desde os dias em que se sentavam ao redor de fogueiras lascando pedras. Parar agora é como romper a grande corrente do nosso ser."
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário