História
de ninar é essencial para a alfabetização, segundo o autor infantil Cottrell
Boyce
Com
o lançamento de mais um movimento de alfabetização, autores como David Walliams
e Michael Rosen alertam para a ameaça à contação de história pelas telas e
vidas aceleradas.
Por Sally Weale
Texto original publicado, em inglês, no site theguardian
Fonte: Pixabay
A tradição infantil de histórias de ninar
está correndo um sério risco segundo especialistas, os quais alertam que os
pais não estão separando tempo para ler para seus filhos no final do dia e que
eles interrompem esse hábito quando os filhos são ainda muito jovens.
“Os pais levam vidas muito, muito
corridas," disse Diana Gerald, diretora executiva do Book Trust,
que motiva crianças e famílias a gostar dos livros e a desenvolver habilidades
de leitura. “Vivemos num mundo onde os pais estão fazendo malabarismos com o
trabalho e a vida doméstica. Muitos pais trabalham fora e há muita pressão nas
famílias. As pessoas estão estendendo suas horas.”
Uma pesquisa recente, da YouGov para a
editora infantil Scholastic, revelou que muitos pais param de ler para
seus filhos quando eles se tornam leitores independentes, mesmo que a criança
não esteja pronta para perder a sua história de ninar. O estudo descobriu que
83% das crianças gostava de ouvir histórias, sendo que 68% disse ser um momento
especial com seus pais. (“Era tão agradável, tão animador," como disse um
menino de 11 anos.)
Um em cinco dos pais entrevistados pararam de
ler para seus filhos antes deles fazerem nove anos e quase um terço das
crianças de seis a 11 anos, cujos pais pararam de ler para elas, queriam que
eles tivessem continuado.
Frank Cottrell Boyce, que ganhou a medalha
Carnegie 2004 pelo seu livro infantil Millions
(Caiu do Céu), ficou desanimado com as descobertas. “A alegria de uma história
de ninar é essencial para desenvolver o amor à leitura nas crianças”, ele disse
– mais do que as aulas de alfabetização na escola, que podem ser "experiências
muito negativas” para muitas das crianças que ele conhece em suas visitas e
cujas primeiras vivências com livros são em sala de aula.
“As crianças aprendem a ler antes que
qualquer pessoa tenha compartilhado com eles o prazer da leitura – então onde
está a motivação para aprender?" disse Cottrell Boyce. “Mesmo aquelas que
atingem níveis altos de ‘alfabetização’ (seja isso o que for) correm o risco de
alcançar isso sem terem vivenciado o propósito da leitura."
Uma pesquisa da Settle Stories, um
grupo de caridade de arte e patrimônio, com mais de 2.000 pais de crianças de
quatro a 10 anos, alegou que apenas 4% lia histórias de ninar para seus filhos
todas as noites, sendo que 69% disse que não tinham tempo. Em fevereiro, um estudo da TomTom, com 1.000 pais de crianças de um a 10 anos, descobriu que 34%
nunca leu uma história de ninar para seus filhos, sendo que 29% argumentava o
fato de trabalhar até tarde e 26% o tempo de deslocamento diário.
“Os pais com certeza entenderam a mensagem de
que precisam ler para seus filhos até os cinco ou seis anos,” disse Catherine
Bell, diretora administrativa da Scholastic. “O que é realmente interessante [é
que] conforme as crianças adquirem habilidades para ler sozinhas, os pais
recuam. Fica muito claro: quando os pais paravam, as crianças queriam que eles
continuassem. Elas achavam que eram um momento muito especial com seus pais e
achavam isso muito positivo.”
Recentemente, a secretária de educação, Nicky
Morgan, e o autor e comediante infantil David Walliams lançaram o
próximo passo de um movimento conjunto de alfabetização e anunciaram o objetivo
de fazer dos alunos ingleses os mais letrados da Europa, dentro de cinco anos. Atualmente,
crianças inglesas de nove e 10 anos estão em sexto lugar, na Europa.
O governo reconhece que o papel dos pais é
fundamental e criou novas atividades e recursos para ajudar a fazer com que
mais crianças leiam antes de entrar na escola. “Poucas coisas podem competir
com a alegria de ficar envolvido num bom livro e acredito que isso é algo que
nenhuma criança deveria perder,” disse Walliams.
O autor infantil Michael Rosen
desfrutou, por décadas, de seus pais lendo para ele. “Minha mãe leu para mim
desde sempre. Tenho muitos dos livros que ela lia e eu implorava para ela ler
alguns deles várias vezes.”
Depois foi a vez do pai dele. “Quando eu
tinha cerca de 12 anos, nosso pai decidiu que leria para nós em nossos
acampamentos e, em muitas dessas ocasiões, ele leu por inteiro os livros Great Expectations (Grandes Esperanças), Little Dorrit (A Pequena Dorrit) e um
romance de Walter Scott, chamado Guy
Mannering (O Astrólogo).”
E não parou por aí. “Ele fazia parte do
exército, então era muito bom com sotaques americanos e leu Catcher in the Rye (O Apanhador no Campo
de Centeio) e Catch-22 (Ardil-22) quando eu era adolescente. Quando eu tinha
cerca de 40 anos, ele ainda lia para mim, mas dessa vez era sua própria
biografia, Are You Still Circumcised?"
Rosen acredita que a TV no quarto é a
assassina das histórias de ninar. “Ás vezes pergunto aos públicos infantis,
‘Quantos de vocês assistem TV até a hora de dormir?’ e, na maioria dos casos, muito
mais que 50% deles respondem afirmativamente.”
John Boyne, autor do best-seller The Boy in the Striped Pyjamas (O Menino
do Pijama Listrado) e de seu novo romance TheBoy at the Top of the Mountain (ainda não publicado), disse: “Estou cada vez menos preocupado
com a forma que as crianças leem e
mais fanático por fazer com que elas simplesmente leiam. Se elas leem com seus
pais ou longe deles, em telas eletrônicas ou no papel, não me parece importante
atualmente."
Cottrell Boyce, entretanto, defende a
preservação da história de ninar. “Grandes ideias surgem de pessoas capazes de
suportar problemas com todo o seu ser – emocional e racional, de memória e de
lógica. Histórias de ninar conferem uma profundidade emocional à leitura. Por
que você pararia? Isso é algo que as pessoas fazem desde os dias em que se
sentavam ao redor de fogueiras lascando pedras. Parar agora é como romper a
grande corrente do nosso ser."

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