10 Coisas que Aprendi Sobre Gaslighting
Como Estratégia de Abuso
Como Estratégia de Abuso
por Shea Emma Fett
Texto original
publicado, em inglês, no Medium.
Fonte: Pixabay
O gaslighting é quando uma pessoa tenta
sobrepor a realidade de outra.
É muito provável que você saiba,
agora, mais sobre gaslighting que a maioria dos terapeutas.
E isso é lamentável, porque se você
já vivenciou o gaslighting, será muito difícil sair dessa confusão.
Infelizmente, talvez você precise
fazer isso e quero que saiba que você não está sozinha.
Deixe-me compartilhar minha
experiência. Aqui estão dez coisas que eu gostaria de ter sabido desde o
início. Vamos fazer isso juntos.
1. O Gaslighting Não Precisa Ser Consciente
Lá pela quinta vez que eu liguei para
um amigo próximo, ofegante e perguntando "Eu sou um monstro?" ele
finalmente disse, “Emma, ele está fazendo gaslighting com você.”
Que diabos é gaslighting? Eu pensei.
A Wikipedia me
disse que surgiu de um filme antigo, em que o personagem principal faz mudanças no
ambiente e depois insiste para sua vítima que ela está simplesmente imaginando
essas mudanças.
O quêêê? Eu pensei. Meu namorado não está fazendo isso. Não
conseguia imaginar ele tramando e manipulando meu ambiente e as nossas interações,
para me enlouquecer. Ele é um ser humano que está magoado e a quem eu continuo
magoando. Sou eu, não ele.
Infelizmente, a primeira definição
que achei estava deploravelmente inadequada. O gaslighting não requer uma trama
consciente. O gaslighting apenas requer uma crença de que é aceitável sobrepor
a realidade de outra pessoa.
O resto simplesmente acontece de
forma natural, quando uma pessoa que acredita nisso se sente ameaçada. Aprendemos
a nos controlar e nos manipular com muita naturalidade.
A característica que diferencia
alguém que faz gaslighting e outra que não faz, é um paradigma internalizado de
posse. E pela minha experiência, identificar esse paradigma é muito mais fácil
que reconhecer o gaslighting.
O gaslighting tende a continuar quando
a intimidação já não é mais aceita.
Acredito que o gaslighting está
ocorrendo de forma cultural e interpessoal, numa escala sem precedentes, e que
isso é o resultado de um quadro social onde fingimos que somos todos iguais e tentamos
preservar a desigualdade ao mesmo tempo.
Isso é constantemente visto na mídia.
Por exemplo, cada vez que um crime de
ódio óbvio é retratado como um caso isolado de doença mental, isso é
gaslighting. A mídia está dizendo a você, O
que você sabe que é verdade, não é.
A violência conjugal não era vista
como um crime grave até os anos 70. Então, nos últimos quarenta anos, nós
falamos sobre as crenças que causam a violência conjugal? Não.
Mas hoje, se você agride seu
parceiro, geralmente é considerada uma pessoa má. Então o que fazer, com todas
as crenças que levariam à violência, se a violência não é mais uma opção
aceitável?
Usa-se a manipulação e o gaslighting.
2. Manipulação e Gaslighting São
Comportamentos Diferentes
Falando de uma forma melhor,
gaslighting é um tipo de manipulação, mas não é o único.
A manipulação geralmente é
centralizada numa ameaça, direta ou indireta, feita para influenciar o
comportamento de outra pessoa. O gaslighting também se utiliza de ameaças, mas
na verdade pretende mudar a personalidade de alguém, não apenas o seu
comportamento.
É importante entender que o
gaslighting e a manipulação comum não são iguais.
Ambos irão degradar a sua autoestima,
mas o gaslighting, quando eficaz, danificará sua confiança própria e a sua experiência
de realidade.
3. O Gaslighting Nem Sempre Envolve
Raiva ou Intimidação
O livro The Gaslight Effect (O Efeito do Gaslighting, em tradução livre)
discute um tipo chamado gaslighting de deslumbramento.
Ele ocorre quando o gaslighter, ou seja, quem pratica o
gaslighting, te enche de atenção especial, mas nunca dá o que você precisa. Ele
te coloca num pedestal, mas em seguida some. Na verdade, ele pode ficar bravo quando você precisar de um ombro para chorar.
Torna-se difícil, após um tempo, identificar
por que você se sente tão sozinha e vazia.
Num outro tipo de gaslighting, o gaslighter sempre se transforma na
vítima. Sempre que você menciona um problema, acaba se desculpando no final da
conversa.
Para mim, essas são as piores
interações.
Todo relacionamento entre praticante
e vítima de gaslighting é diferente, mas para mim, havia um padrão bem
específico. Eu dizia algo para ele. Ele tinha uma reação emocional muito forte,
muito além do que eu esperava. Eu recuava para tentar entender o que havia dito
e como podia melhorar.
Ele me acusava de contradição quando
eu recuava.
Eu tentava explicar que estava procurando
uma forma melhor de me comunicar com ele, pois certamente estava errada.
Ele dizia que a minha contradição
significava que eu estava mentindo.
Eu dizia, “Não, não, eu sei que não
estou mentindo. Talvez eu só não me lembre direito.”
“Parece que não posso confiar na sua
memória,” ele dizia.
Nunca voltávamos ao assunto inicial. Normalmente,
eu acabava chorando histericamente.
4. É Normal Não Conseguir Lembrar O
Que Aconteceu
Isso, mais do que tudo, é algo que eu
gostaria de ter sabido.
Era um segredo que eu guardava e que alimentou
meu autoquestionamento e culpa por anos, após eu ter ido embora. Eu costumava
ter apagões. Lembro de conversas em que eu começava de pé na cozinha e
acabava abaixada no chão.
Alguns dias depois, eu não conseguia
lembrar o que aconteceu naquele meio tempo. Eu não conseguia nem lembrar o
assunto da conversa. Meu agressor me acusou de abuso enquanto eu estava com ele
- e depois publicamente, por anos a fio.
Essa é uma das razões pela qual eu
fui embora - porque não conseguia entender o que eu estava fazendo ou como
corrigir isso e não conseguia suportar a ideia de que eu poderia estar
agredindo alguém. Eu dilacerei minhas lembranças, tentando entender o que ele
vivenciava. O que era que eu fazia.
E encontrei coisas em mim que
precisavam mudar, assim como todos aqueles que analisam suas tendências
abusivas irão encontrar. Mas não conseguia, na minha própria memória, achar o
que ele via em mim.
Não conseguia acha a narcisista. Não
conseguia achar a manipuladora perversa. Não conseguia achar a destruidora de
lares. Mas eu tinha manchas negras na minha memória. Completamente negras. E me
perguntava, Foi nesse dia que aconteceu? Foi nesse dia que eu o agredi?
Perdas de memória são muito
favoráveis quando alguém diz a você que não pode confiar na sua memória. É
muito favorável quando dizem que você comete abuso.
Mas é normal perder a memória quando
você está sofrendo gaslighting. Na verdade, é um dos sinais que
você deve buscar. É um bom sinal de que pode ser hora de ir embora.
5. Existem Estágios Diferentes (E
Esses Estágios Podem Progredir Após o Término do Relacionamento)
Um gaslighter não precisa simplesmente estar certo. Ele também precisa
que você acredite que ele está certo.
No primeiro estágio, você sabe que
ele está sendo ridículo, mas discute mesmo assim.
Você discute por horas, sem resolução.
Você discute sobre coisas que não deveriam ser motivo de debate – seus
sentimentos, opiniões, experiências de mundo.
Você discute porque precisa estar
certa, você precisa ser entendida ou precisa da aprovação dele.
No primeiro estágio, você ainda
acredita em si mesma, mas debate sobre essa crença, contra sua vontade.
No segundo estágio, você considera o
ponto de vista do gaslighter e tenta
desesperadamente fazer com que ele também enxergue o seu.
Você continua a participar, porque tem
medo do que a perspectiva dele sobre você diz sobre você.
Vencer a discussão tem um objetivo
agora: provar que você ainda é boa, gentil e de valor.
No terceiro estágio, quando está
magoada, primeiro você pergunta, “O que está errado comigo?”
Você considera o ponto de vista dele
normal. Você começa a perder a capacidade de ter opiniões próprias. Você se
consome para entendê-lo e ver a perspectiva dele. Você convive e fica obsessiva
com qualquer crítica, tentando resolvê-la.
Em retrospectiva, eu vejo que estava profundamente
no segundo estágio quando abandonei o relacionamento. Entretanto, continuei
tentando manter uma amizade com ele, ainda por meses. Eu desejava resolução,
entendimento e perdão.
E quando eu finalmente cortei contato com ele, em vez de me curar, eu
passei para o terceiro estágio. Eu não entendia e nem sabia como resolver o
gaslighting que continuei fazendo comigo mesma, após o término do
relacionamento.
Se pudesse voltar e me dar um só
conselho, seria o de cortar contato
imediatamente, por pelo menos um ano. E talvez seja isso que o outro precise
também.
É muito, muito difícil. É difícil
porque ainda pode parecer que aquele entendimento e aquela resolução estão logo ali. É
difícil se libertar disso.
Mas pense: Você ainda não precisa fazer
isso. Apenas se comprometa por um ano. Porque qualquer pessoa que não seja
abusiva, não irá te punir pelo espaço que você precisa curar.
E quando eu digo “cortar contato”,
quero dizer nenhum contato. Distancie-se de amigos em comum. Bloqueie o gaslighter nas redes sociais. Peça a
seus amigos para que não forneçam informações novas sobre ele, a não ser que
estejam diretamente relacionadas à sua segurança.
Foda-se quem disser que você está
sendo irracional.
Você precisa de cura e de espaço para
aprender como parar de fazer gaslighting com você mesma.
6. Existem Características Distintas
Que A Tornam Mais Suscetível ao Gaslighting, Mas Elas Também Podem Ser Superpoderes
Existem três tendências que irão te
empurrar para uma interação de gaslighting. Essas tendências são a necessidade
de estar certa, de ser entendida e de aprovação.
Ainda, certas características – tais
como ter empatia, ser cuidadora, precisar ver o seu parceiro de forma positiva e
querer agradar a todos – podem te tornar mais suscetível.
Mas insisto muito para que você não
tente destruir essas coisas maravilhosas sobre você.
Você se importa muito com as suas
ideias e com outras pessoas. Você quer entender e ser entendida. Você se
importa com o seu efeito em outras pessoas e está disposta a mudar para acolher os outros ao seu redor.
E, ironicamente, o seu gaslighter provavelmente disse que você
era egoísta, cruel e abstraída. E depois, talvez, seu terapeuta disse que você
precisa parar de se preocupar tanto, porque isso te aproxima do abuso. O que
fazer?
Empatia é importante. É importante
para todos nós. Eu fico furiosa quando as pessoas dizem que a minha empatia é
uma fraqueza. Minha empatia é um superpoder. Meu desejo e minha capacidade de ter
empatia me prenderam num ciclo de abuso, sim. Mas o meu desejo de ter empatia não
era o problema.
A capacidade de ouvir críticas e
então melhorar a si próprio, com base nesse feedback, também é um enorme superpoder.
Não deixe que ninguém diga ao contrário. O meu problema não era a minha disposição
em mudar, mas a minha disposição em mudar pelas razões erradas.
A mudança deve te fazer crescer. Ela
deve aumentar a sua reserva de amor próprio. Ela deve te deixar mais forte,
mais esclarecida, mais focada, mais diferenciada e com mais compaixão.
A dor do crescimento é diferente da
dor da destruição. Uma te dará amor e orgulho, mesmo em tempos difíceis, e a outra irá
te encher de vergonha e medo.
Ninguém deve usar vergonha ou medo
para tentar fazer você mudar. Quando isso acontece, eles não estão pedindo por
mudança - eles estão pedindo por controle.
7. Você Sabe Qual É A Sua Verdade –
Você Sempre Soube e Sempre Saberá
O seu gaslighter não te enxerga.
Você é uma sombra no canto, tentando
não chamar atenção, enquanto ele expõe a imagem que tem de você com amor e
atenção. E não importa o quanto a sua cabeça está confusa, você sabe que isso é
verdade.
Você sabe o espaço que ocupa, mesmo
que se odeie por isso. Se olhar para trás ou para dentro, você verá que sempre
soube que algo estava errado.
Pode parecer que você perdeu seu
eixo. Mas ele sempre esteve lá.
O sistema de alarme sempre funcionou.
Você apenas aprendeu a parar de escutá-lo. Você não perdeu tanto quanto pensa.
8. O Jogo Final Não É O Confronto, É
O Não-Engajamento
Uma alegoria muito comum que vejo, em
filmes e na literatura, é o sobrevivente que confronta o seu agressor. Confrontam-no
anos depois e, naquele momento, mostram a eles próprios e ao agressor que não precisam
ter mais medo.
Eu almejo essa purificação, porque eu
tenho medo. Mas nunca poderei
discutir esse medo através de confronto. Posso apenas discuti-lo pela confiança
na minha capacidade de definir e reforçar meus próprios limites.
Quando você se engaja, de qualquer
maneira, você diz ao seu gaslighter
e a si mesma, que a sua realidade é motivo de debate.
A sua realidade não é motivo de
debate.
Se você for como eu, já teve um
milhão de conversas na sua cabeça e são essas conversas que estão te matando. A
sua realidade não é motivo de debate. Você não tem que ensaiar uma conversa que
nunca terá.
É ridículo quando alguém tenta te
dizer quem você é, o que sente, pensa, o que pretendia ou o que vivenciou. Quando
isso acontece, você deve ficar com raiva, confusa ou até mesmo preocupada por
eles.
Você pode parar, perplexa, e
perguntar, "O que faz você achar que pode saber o que há dentro de mim? Você
está bem?”
Ao invés disso, muitas de nós
tentamos obter compreensão.
Não, não foi isso que aconteceu, não
foi isso que eu senti, não é isso que eu sinto!
E essa é uma resposta justa – até
certo ponto. Mas se o objetivo da conversa é a troca de poder e não a troca de
compreensão, você nunca, nunca, nunca vencerá.
Gostaria de propor que uma solução
para se sentir menos suscetível ao gaslighting é aprender a identificar o
objetivo da conversa.
Uma conversa com o propósito de
reciprocidade não deve te fazer sentir medo, vergonha, desorientação ou
confusão.
Você não tem que entender o que eles
estão fazendo, apenas o que você está sentindo. Você tem apenas que saber
quando a reciprocidade deixou de ser um objetivo, e aprender a parar de participar
quando isso acontecer.
Tente:
·
“Teremos que concordar em discordar.”
·
“Não gosto de como me sinto agora e
quero terminar essa conversa outra hora (ou nunca)."
·
“O quê?”
·
“Você está tentando definir a minha
experiência e não acho isso certo."
·
"Não entre mais em contato
comigo."
“Comunicar, comunicar,
comunicar," certo? “Você pode resolver tudo com comunicação suficiente.“
Isso pode ser um mantra, mas está
errado.
Muitas coisas podem ser resolvidas através
da comunicação, contanto que o objetivo das duas pessoas seja a compreensão. Mas
no momento que alguém tenta substituir a sua experiência, é hora de parar de se comunicar, pelo menos sobre
o assunto em questão.
9. Você Deve Confrontar a Ameaça
Cada interação de gaslighting existe
sob o invólucro de algum tipo de ameaça. No meu relacionamento, a ameaça
começou como reprovação, depois era o relacionamento que estava ameaçado e, finalmente,
a ameaça se intensificou para a própria vida dele.
Eu não tinha capacidade alguma de
confrontar ou resistir ao gaslighting até que confrontei, um a um, os medos que
essas ameaças produziam em mim.
Fiquei triste. Passei uma semana na
cama e chorei sobre tudo que havia derramado no relacionamento. Tentei quebrar
internamente, um a um, meus apegos às coisas que me fizeram sentir aprisionada.
Chorei sobre a imensa vergonha que
senti e tentei criar forças para conseguir suportar isso. Primeiro, fiquei
triste pela família da qual eu queria tanto fazer parte. Depois, fiquei triste
pelo meu relacionamento com ele. Finalmente, questionei se era certo ele me
responsabilizar pela vida dele. Não foi fácil.
E passaram-se mais seis meses até o
término do relacionamento. Mas quando eu percebi que não queria estar mais no
relacionamento, já havia confrontado internamente as ameaças que me esperavam –
e enquanto elas vinham, uma a uma, com força total, eu consegui colocar um pé
para fora e depois o outro, e sair porta afora.
10. O Gaslighting Pode Ser Ampliado
em Famílias, Relacionamentos Poliafetivos e Outro Grupos
É difícil se manter firme quando uma
pessoa está tentando substituir a sua experiência, mas quando há um coro de
apoiadores, é quase impossível. Existe uma razão pela qual o abuso de culto
pode levar a um colapso total da personalidade de alguém.
Manipulação e abuso grupal são
devastadoramente eficazes.
Posso facilmente explicar o grau de
vergonha e medo que um grupo, em que você está profundamente envolvido, pode
produzir com um ataque coordenado. Precisamos ter muito cuidado com isso em
grupos poliafetivos para não explorar esse poder ou permitir o abuso,
involuntariamente.
Sei que há muita vergonha envolvida
no término de um relacionamento e ninguém que ser o bandido. Mas devemos uns
aos outros a não participar de relacionamentos em que a autoestima de qualquer um esteja sendo degradada.
Não importa de quem é a culpa e não
importa se é justo ou não. Existem coisas maiores em jogo aqui. Não vamos nos
punir por fazer o que é preciso para sermos saudáveis.

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